A Fotografia e a Poesia da Imobilidade | Dom Jorge Marcos

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Dom Jorge Fotógrafo

Não conheci o primeiro bispo de nossa Diocese, Dom Jorge Marcos de Oliveira (até hoje, não me perdoo por isso!), porém, todo o material histórico de que tive acesso, além do testemunho de algumas pessoas que com ele trabalharam e conviveram, me faz imaginar quão magnífico e genial era a sua pessoa. De fato um visionário, alguém pra além do seu tempo, como muitos dizem quando falam dele.  Sua postura de pastor, seu papel político, suas reflexões sobre a igreja e os seus desafios, entre outras coisas,  me fazem pensar em alguém cuja visão profética era muito ampla.

Dom Jorge foi uma pessoa bastante eclética. Gostos variados, vários hobbies. Animais de estimação (seus cachorros); escrevia poesias; era conhecedor da cultura judaica; conhecia bem o grego, o latim e o hebraico, gostava de cozinhar; desenhava e projetava presbitérios, paramentos e cálices litúrgicos; dominava a arte da oratória, divertia- se com o desafio das palavras cruzadas e principalmente era um dedicado fotógrafo amador. Com certeza, muitas outras afinidades tinha. Essas são apenas algumas que tomei conhecimento.

Quero nesta pequena crônica, me ater ao seu gosto pela fotografia. Certa vez, fazendo a catalogação dos seus pertences com a Irmã Maria Miele, com quem conviveu no período em que governava a Diocese, até a sua morte, pude constatar esse seu hobbie. Não sei se o predileto – talvez. Dom Jorge poderia não ser um grande conhecedor da arte de fotografar, já que em sua época a fotografia amadora era muito rara.

Entre os seus pertences, a Irmã Maria me apresentou três máquinas fotográficas que ele usava. Não eram quaisquer máquinas, mas três da marca Leica. Fiquei impressionado. Nós que somos apaixonados pela fotografia, costumamos dizer que a marca Leica é a “Ferrari” das máquinas fotográficas. Dom Jorge tinha muito bom gosto e mesmo não sendo profissional sabia o que fazia. Em suas coisas achei também um autorretrato (coisa de fotógrafo profissional) onde aparece com uma Rolleiflex, máquina sensação da época, com a qual acredito tenha fotografado as sessões e os bastidores do Concílio Vaticano II. Havia também em seus pertences, filmes em Super 8, slides e filmes em 16mm. O homem era quase um cineasta!

Nos dirá o grande fotógrafo Ernst Haas:  “A câmera não faz diferença nenhuma. Todas elas gravam o que você está vendo. Mas você precisa VER!”. Se hoje é difícil ver por aí um Bispo fotógrafo, imagine há quase 60 anos um bispo tirando “retratos” da vida cotidiana.

A fotografia é uma arte – hoje mais popular -, arte que exige sensibilidade, olhar, poesia. Creio que a fotografia pode definir simbolicamente a personalidade de Dom Jorge. Dizia um fotógrafo certa vez, que não fazemos uma foto apenas com uma câmera; ao ato de fotografar trazemos todos os livros que lemos, os filmes que vimos, a música que ouvimos, as pessoas que amamos. Isso é profundamente verdadeiro. Acredito que assim sentia-se Dom Jorge quando escolhia fotografar algo.

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Câmera de Dom Jorge

Todos nós que gostamos de fotografar, entendemos a fotografia como a arte de eternizar momentos, sorrisos, lágrimas, uma forma de desabafar para o mundo o que você está vendo e sentindo. Dom Jorge, nas entrelinhas do seu hobbie, deixa-nos transparecer isso. A fotografia, antes de tudo é um testemunho. Quando se aponta a câmara para algum objeto ou sujeito, constrói-se um significado, faz-se uma escolha, seleciona-se um tema e conta-se uma história, cabe a nós, espectadores, o imenso desafio de lê-las. Fica aqui o desafio dessa proposta de “entrar na cabeça” desse grandioso homem.

No dia em que segurei a sua máquina Leica, não resisti a tentação: aproximei-a do rosto e olhando pelo visor pensei o que ele poderia ter visto e fotografado ali, a partir daquele olhar. Um instante de admiração me veio e rezei:  que homem fantástico!

Padre Paulo Afonso da Silva
Paróquia Sagrada Família

Post Author: CCDJ-D

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