O Fundador

DOM JORGE MARCOS DE OLIVEIRA

10 / 11 / 1915 * * 28/05/1989

   

 scan00051935 Seminarista Jorge Marcos.

O desabrochar de um Dom

Há cem anos, nascia o personagem que motiva esta singela publicação: vinha ao mundo o filho de Carlos José de Oliveira e Angelina Rufo, pais de uma numerosa família – cuja origem remonta à nobreza de Portugal e há muitos anos fixada no Rio de Janeiro. Era o dia 10 de novembro de 1915 e o local, aquela mesma capital fluminense, que à época era também a capital nacional.

No batismo, o menino recebeu o nome de Jorge Marcos, e logo confirmou o que viria a ser durante toda a sua vida: um DOM de Deus para o mundo. Esperto e travesso, deixava transparecer uma inteligência fina e brilhante que, posteriormente, deixaria a todos admirados.
Tendo crescido no seio de uma família profundamente cristã, cedo manifestou indícios de vocação presbiteral. Assim, a fim de discernir o chamado que recebera, ingressou no Seminário Menor de São José em 1929, aos 14 anos, à época sediado na Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro e, anos mais tarde, deslocado para Rio Comprido.

Onze anos depois, transcorridos os estudos ginasiais, o minorista Jorge Marcos tem um destino diferente de seus colegas: em vez de completar os estudos de Filosofia e Teologia em sua terra natal, é transferido para o Seminário Central do Ipiranga, em São Paulo, no ano de 1934.

Ali, Jorge recebe a primeira tonsura – antiga cerimônia na qual eram cortados alguns fios de cabelo e mediante a qual se ingressava no estado clerical. Sucedem-lhe, ano a ano, cada uma das antigas ordens menores: ostiariato, leitorato, exorcistato e acolitato. Em meio aos estudos e atividades do Seminário, pouco a pouco, chegam também as ordens maiores: subdiaconato e diaconato.
Eis que chega o grande dia: contando 25 anos de idade, o diácono Jorge é ordenado presbítero, aos 8 de dezembro de 1940, sendo incardinado na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Digitalizar0298Uma vez ordenado, Pe. Jorge Marcos exerceu as funções de professor e ecônomo no Seminário menor; diretor da Obra das Vocações Sacerdotais e oficial maior do Tribunal Eclesiástico de sua Arquidiocese. Manifestando sensibilidade com as questões sociais, foi também assistente espiritual da Juventude Masculina Católica, Juventude Operária Católica e de conjuntos de pessoas em situação de reabilitação humana.

Quando tudo apontava para uma vida inteira a ser dedicada ao ministério presbiteral, surge uma nova surpresa: Pe. Jorge (com apenas 31 anos!) fora nomeado bispo, em maio de 1946, pelo Papa Pio XII, ocupando o ofício de auxiliar da Arquidiocese carioca. Era o mais jovem entre os Sucessores dos Apóstolos!

O trabalho de Dom Jorge Marcos de Oliveira em favor dos menos favorecidos continuou, ganhando a partir daí novo Digitalizar0196vigor, que certamente se acentuou após a nomeação episcopal de Dom Helder Pessoa Câmara – de quem D. Jorge foi co-sagrante – para auxiliar do mesmo arcebispado.

A título de exemplo, visitava longamente as favelas cariocas, onde ficava por cerca de uma semana, que contabilizaram cerca de 40 localidades. A exemplo de Paulo, sabia, contudo, “fazer-se tudo para todos” (1Cor 9,22): do mesmo modo como relacionava-se bem com as camadas mais populares, era bem quisto também entre os círculos economicamente favorecidos. Viajou internacionalmente representando a Juventude Católica Brasileira e, em nível nacional, trabalhou como Diretor Nacional das Vocações Sacerdotais por um triênio.

scan0057Eis, porém que, oito anos depois, sua vida viria a mudar radicalmente de novo: o mesmo Papa Pio XII, mediante a bula Archidiocoesis Sancti Pauli, cria e instala a Diocese de Santo André, aos 22 de julho de 1954, apontando Dom Jorge Marcos de Oliveira como seu primeiro bispo.

Para legado papal na solenidade de posse, é designado o carmelita Dom Giovanni Adeodato Cardeal Piazza, secretário da antiga Sagrada Congregação Consistorial. A cerimônia, dada aos 12 de setembro daquele ano, foi bastante concorrida por parte dos fiéis dos três municípios que até então compunham a nova Diocese (Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul), muitos dos quais sequer haviam visto uma entronização episcopal. Estavam, pois, ardentemente desejosos de conhecer seu primeiro Pastor.

scan0015De fato, a figura do bispo encantou a todos. Ao mesmo tempo humilde e próximo, D. Jorge era detentor de vasta sabedoria e erudição: falava latim, francês e italiano, apreciava música erudita, tinha por hobby a fotografia e por necessidade a poesia. A arte que dominava como ninguém, contudo, era a de falar ao coração de todos e cativá-los com sua simpatia.

Dois anos após sua chegada, D. Jorge, sensibilizado com o drama dos scan0039menores em condição de vulnerabilidade, funda a Associação Lar Menino Jesus, inicialmente abrigando meninas em regime de internato, treze anos depois adaptada para semi-internato. Esta foi sempre sua menina dos olhos, pela qual gastou alegremente seus dias.

Enquanto isso, num panorama mundial, diante de uma sociedade em profundas mudanças, São João XXIII convocou o 62 Concílio Vaticano 11Concílio Vaticano II, do qual D. Jorge, enquanto bispo diocesano, foi convocado a participar. Suas eloquentes intervenções, que procuravam chamar a atenção para a necessidade de aprofundamento das realidades social e familiar, foram admiradas por muitos padres conciliares e peritos. Foi, entretanto, no mesmo período que sua saúde começou a fragilizar-se: em plena fase conciliar, D. Jorge sofre seu primeiro infarto.
Como era de se esperar, as mudanças mundiais refletiam-se também na Diocese de Santo André, cobrando de D. Jorge uma atuação decidida em meio ao povo do Grande ABC, que sofria uma grande metamorfose no período em questão: o desenvolvimento industrial e consequente explosão demográfica, derivada do êxodo rural; o movimento sindical e a repressão produzida pela ditadura; e, finalmente, a estruturação de uma Diocese com modestos recursos financeiros e pastorais.

62 Concílio Vaticano 12

Tinha tempo, contudo, para dedicar-se a iniciativas das mais variadas frentes: em 1971, D. Jorge colaborou na fundação da FEASA (Federação das Entidades Assistenciais de Santo André), de cuja diretoria chegou a fazer parte.

Quantas mudanças ao longos dos frutíferos 21 anos de episcopado: da Diocese de pouco mais de uma dezena de paróquias, Digitalizar0341surgiram 58; foram erigidos Seminários Maior e Menor; a Catedral, ainda incompleta em seus trabalhos artísticos, foi solenemente dedicada sob seu pastoreio.

Pode-se perceber que, não obstante as limitações físicas, o vigor de D. Jorge surpreendia. As dificuldades, porém, aumentavam. Assim, sucessivos problemas de saúde, sobretudo cardíacos, pouco a pouco levaram à sucessão de Dom Jorge por Dom Cláudio Cardeal Hummes, OFM, aos 29 de dezembro de 1975. No ano seguinte, o bispo emérito implanta pontes de safena, que o obrigam a observar rigorosa dieta e estilo austero de vida.

Nada disso o impediu, no entanto, de trabalhar: permaneceu à guia da Associação Lar Menino Jesus, que agora se havia ampliado e atendia também outros segmentos sociais, como o das mães solteiras; assumiu, em 1983, os cuidados pastorais de uma capela no município de Mauá, dedicada a São José e atualmente sede paroquial, onde se conserva até hoje o priDom Jorge Marcosmitivo local em que o bispo emérito reunia os fiéis para a celebração dominical; além disso, em 1986, foi nomeado vigário-geral, coincidindo com a celebração festiva dos 40 anos de sua consagração episcopal.

Do mesmo modo como sua vida foi cheia de surpresas, também sua partida deste mundo colheu a todos de espanto: na noite de 28 de maio de 1989, após um dia de celebrações eucarísticas de domingo e demais atividades rotineiras, D. Jorge Marcos de Oliveira rende o espírito a Deus, vitimado por um infarto, na chácara onde residia, no bairro de Palmeiras, em Suzano (SP).

Pranteado pelos fiéis diocesanos, clérigos e demais membros da sociedade civil do ABC, D. Jorge é velado e sepultado na Catedral diocesana de N. Sª. do Carmo, junto ao altar lateral de São José, após as devidas cerimônias exequiais, oficiadas por D. Paulo Evaristo Cardeal Arns e acompanhadas por demais prelados, com grande afluxo de povo e clero.Digitalizar0209

Sua memória, no entanto, não morre: o rosto sorridente de D. Jorge
permanece vivo em cada criança que encontra sentido para a vida no seio da Associação Lar Menino Jesus; o brilho de seus olhos continua no dinamismo das 99 paróquias da Diocese que tanto amou e pela qual se entregou; seu espírito audaz e inovador inspira esta Igreja
particular a manter-se fiel à voz de Cristo e, semeando a Boa-Nova do Evangelho, seguir trilhando – com a mesma coragem de seu primeiro Pastor – os caminhos da história em direção ao Reino definitivo.

Esta Igreja de Santo André, por meio desta humilde publicação, quer render graças pelo presente que há cem anos Deus lhe concedeu: DOM Jorge Marcos de Oliveira.

Texto:

Pe. Vinícius Afonso – COBECISA – Diocese de Santo André

Fotos: Acervo Associação Lar Menino Jesus